sábado, 25 de agosto de 2012

Deleite


Deleite

O quintal mais florido e harmônico de minha infância. A casinha mais rústica que vi em minha cidade. Os gestos mais gentis e bobos que alguém poderia lhe ofertar. Assim eram nossos tempos. Um quintal, que mais parecia sair dos mais deliciosos contos de fadas. Um poço velho, duas senhoras idosas distintas, uma mais alta e magra e uma mais gordinha e baixa, e alguns gatos soltos pelo local.

Lembro-me de creditar a elas o papel de velhas bruxas, mas bruxas boazinhas, daquelas que cuida de seus vizinhos. Era de se pensar, pois viviam para si, bem reservadas e curiosamente bondosas como nunca se viu.

Com o tempo estas idéias me fugiram a lembrança. Mas o mundo me fez repensar o mundo. Então eu pensei:

A mais baixinha parecia ser a bruxinha que fazia a mais magra e irritadiça ser boazinha também. Descobri, tempos depois, entre as papoulas do nosso quintal, que fazia cerca com cerca com o delas, que ela era como uma mãe a alguém. Muito tempo depois, somente muito tempo depois, depois de não ter mais tempo de conversar com ela sobre, descobri que ela foi como mãe de muitos!

Realmente, era alguém da magia, que criará muitos em segredo, ao menos segredos encantados, pra mim! Era a magia do amor! E era místico pra mim saber nos últimos segundos antes do adeus, que eu conhecia alguém tão fantástica, nas duas acepções do termo!

Foi encantado descobrir suas superstições de guardar um pote de barro cheio de sal grosso contra os maus olhados. Foi encantado pra mim descobrir que nos dias de sexta-feira ela delicadamente depositava algumas gotas de perfume na água de seu banho, pois era um dia diferente dos demais, diferente dos dias comum e requeria banhar-se assim.

Era a senhorinha mais doce que conheci e que me confundia com meu pai, a quem chamava de namorador, a quem teve muitos netos, sem nunca ter um filho. A quem devoto hoje um imenso amor maior do que antes, afinal, eu também fui um dos muitos netos!

Morte


Morte

A vela que cai. O ultimo sopro de vida... Silêncio!

Olhos atentos que velavam o corpo na rede. Um pequeno corpo frágil e quieto. Uma pequena casa de taipa e barro, humilde e aconchegante, cheia de personalidade. A certeza de algo que não se queria, mas deveria ocorrer. O ciclo... O final de um ciclo e o esboço de um pequeno sorriso, que compreendia a vida e a morte. Sorriso dos antigos, que não teme à hora chegada. O sorriso de quem viveu uma vida bem vivida.

Mesmo com tantos em volta, a casa parecia vazia. Aquela que a habitava já não se encontrava mais ali. O silêncio preenchia o ar. A tristeza se mesclava com a certeza do momento, que já se sabia que viria, mas nunca se desejaria.

A perda, o novo passo. Seguir, sem muito conseguir, adiante.

Na manhã seguinte, estes relatos de como fora o teatro da vida. Últimos momentos, quase lembrados como lendas, mitos e verdades. A dor e o respeito. O confuso momento de aceitar o ocorrido. O vazio no peito e a perplexidade diante do fim. O tempo dos vivos parece parar para reverenciar o tempo dos mortos!

E minhas palavras ficam presas na garganta.

Apenas ao entardecer, vejo o caixão. Pessoas em volto e seus últimos desejos de paz. Uma caminhada silenciosa, quebrada pelo inicio de um terço frio e impessoal. Meu corpo rígido e frio caminha. Segue em silêncio. Nunca senti minha fronte franzir-se tanto contra os ossos. Minha própria morbidez. Chegamos ao término de nossa caminhada solidária.

Aproximamo-nos da cova. O caixão desce a seu novo lar. Flores lhe comprem e, junto delas, lagrimas se misturam como soluções e gritos atordoados de adeus. Minha carne prende ao meu rosto, sofrendo em silêncio, segurando o choro. Cada músculo mobilizado em não transparecer minha dor, que, deveras, já estava ali estampada. A respiração presa e a voz que não foge da garganta. O corpo enriquece-se e contempla o demorado adeus, enquanto a cova é fechada.

Alguém diz “aí está tua mãe, tua filha!” sobre alguém jazido que não teve filho algum, mas muitos netos. Muitos netos! E mais choro e sofrimento.

Saiba, eu também sofri, eu também chorei, mas em meu próprio tempo.

Descanse em paz, mesmo sem as merecidas palavras mais puras e belas, pois eu continuo perplexo e paralisado nos portões azuis-frio do “25”!

Delírio


Delírio

Se era um sonho, ou um delírio, nunca vou saber.
Deitado em minha cama, os pensamentos voavam, batiam asas fortes para muito além.
As brumas, o nevoeiro em meu ser e uma história...

Acordei dentro de um delírio. Era dia, fim de tarde, não havia mais ninguém aonde eu ia, ou estava. Eu estava caminhando entre os túmulos e lapides do cemitério de minha cidade natal refletindo sobre a vida... E a morte!

Não sentia frio ou calor, o tempo parecia parado enquanto eu caminhava naquele cenário cinza de histórias esquecidas. Cada túmulo com suas marcas e detalhes. Crucifixos quebrados, o velho cimento feito como barro se desfez. Pedras carcomidas como esponjas do mar. Pequenas torres imponentes da morada dos mortos. Algumas aberturas no chão, pedaços de madeira. Pequenas manchas do tempo, lodo seco, marcas de velhas chuvas. Flores que exalavam o cheiro peculiar do ambiente supostamente inóspito e sem vida. Mas aquele era um verde puro que contrastava com a melancolia de suas lapides. Aquele era o cenário! Uma velha capela decadente ao centro se encontrava.

Entre as lapides meu eu sentiu uma presença. Virei lentamente a cabeça e vi um rosto alvo de mulher. Era magra e de cabelos bem pretos, trajava braço e silenciosamente se encontrava ao meu lado e falou:
- Lhe assusta a morte? – E timidamente respondi:
- Não há o que temer em uma certeza. – Ela, como uma voz calma e aterradora continuou.
- Realmente, nada, mas não é assim que lidam os homens com tais temas...
- Mas somos incomuns. – referia-me eu a sua natureza assombrosa.
- Sim, mas isso não muda os fatos!
- Mas esta não era a questão...
E uma frieza gélida e súbita tomara conta de meu corpo. Eu sabia que em suas palavras havia muitas pretensões e segredos. Mistérios tenebrosos dos quais eu desejava fugir. Era uma armadilha que eu deveria temer. Este era o intuito: fazer-me fraquejar em minhas certezas calmas. Certezas das quais adentrei aquele recinto. Eu deveria alimentar aquele ser com meu temor mortal.

Então, em frações de segundos em que eu racionava e buscava não transparecer medo e sim controle sob tal momento, uma busca desesperada por iluminação, uma pergunta e oferta capciosa ela me fez:
- Porque não prova dos frutos daquela árvore logo à frente? Não vê que está madura? Não seria cortês negar tal oferta ou tem nojo desta condição terrena?
Eu já não via mais ninguém ao meu lado.

Não tendo muito que questionar, com pernas semi-cambaleantes, caminhei sozinho entre as veredas dos túmulos, chão sem mato de onde se muito caminha. Terra fértil de corpos jazidos. Fruto amargo dos não vivos. Chegando, tomei o fruto em minhas mãos e em um surto de lucidez:
- Acho que vou deixar para depois... – mas eu já caíra na armadilha e uma serpente apareceu entre as plantas, pronta para dar o bote.

Esquivei-me o quanto pude. Corri entre os túmulos, arranhando braços e pernas. Pulando sobre corpos mortos, sob sete palmos de chão. Sem rumo, único caminho a seguir: o portão de ferro grande e azul, que acabará de fechar-se diante de mim.

Eu estava encurralado. Paralisado, de medo? Era isto o que eles queriam! E eu olhava a minha volta, meio desmedido, alucinando. Respirei fundo e senti algo viscoso e molhado em minhas mãos. Nem raciocinando rápido, como havia feito me acalmaria: um coração podre borbulhando suas secreções caia de minha mão.

Em desespero: coragem e gritos. Vociferando mentiras, as quais nem creia, enquanto corpos translúcidos se aproximavam silenciosamente, entre túmulos e vultos retorcidos. Era o fim, mas, por algum motivo, mesmo de uma coragem tímida, meus gritos conterão meu medo e o mundo a minha volta acalmo-se. Eu quase caíra para trás com o ranger dos portões se abrindo por trás de mim. O frio portão quase colado ao meu corpo deixava um suspiro seco escapar! Fugi!

Traduzindo-me Sobre os Três Próximos Posts

Os seguintes posts falam de um único dia, cheio de significado pra mim. Eles também poderiam ser nomeados como "Madrugada", "Dia" e "Anoitecer".

Não se trata apenas de um mero dia de inspiração e devaneios sem fim. Trata-se de algo muito meu e que há muito tempo este eu não conseguia ser tocado tão profundamente. Há uma gota de verdade em cada texto, há um copo de afeto em cada palavra e há uma oceano de respeito a quem dedico!

Podem não ser os textos mais convencionais que se esperaria dedicar a alguém que se foi, mas não foi alguém pura e simplesmente comum que se foi. Foi alguém que marcou muitas vidas com suas generosa presença e não caberia um formalismo impessoal a ela. Eu não me sentiria completo e inteiro em dedicar a ela poesias líricas e cansadas.

Dedico a Mãe Sebastiana cada brecha de pessoalidade que dispus nos meus textos. Cada delicada faceta que descobri a pouco sobre ela (ou quis redescobrir). Cada sentimento vivido e profundo, que ainda me inquieta.

Dedico textos fantásticos a alguém fantástica!