sábado, 25 de agosto de 2012

Delírio


Delírio

Se era um sonho, ou um delírio, nunca vou saber.
Deitado em minha cama, os pensamentos voavam, batiam asas fortes para muito além.
As brumas, o nevoeiro em meu ser e uma história...

Acordei dentro de um delírio. Era dia, fim de tarde, não havia mais ninguém aonde eu ia, ou estava. Eu estava caminhando entre os túmulos e lapides do cemitério de minha cidade natal refletindo sobre a vida... E a morte!

Não sentia frio ou calor, o tempo parecia parado enquanto eu caminhava naquele cenário cinza de histórias esquecidas. Cada túmulo com suas marcas e detalhes. Crucifixos quebrados, o velho cimento feito como barro se desfez. Pedras carcomidas como esponjas do mar. Pequenas torres imponentes da morada dos mortos. Algumas aberturas no chão, pedaços de madeira. Pequenas manchas do tempo, lodo seco, marcas de velhas chuvas. Flores que exalavam o cheiro peculiar do ambiente supostamente inóspito e sem vida. Mas aquele era um verde puro que contrastava com a melancolia de suas lapides. Aquele era o cenário! Uma velha capela decadente ao centro se encontrava.

Entre as lapides meu eu sentiu uma presença. Virei lentamente a cabeça e vi um rosto alvo de mulher. Era magra e de cabelos bem pretos, trajava braço e silenciosamente se encontrava ao meu lado e falou:
- Lhe assusta a morte? – E timidamente respondi:
- Não há o que temer em uma certeza. – Ela, como uma voz calma e aterradora continuou.
- Realmente, nada, mas não é assim que lidam os homens com tais temas...
- Mas somos incomuns. – referia-me eu a sua natureza assombrosa.
- Sim, mas isso não muda os fatos!
- Mas esta não era a questão...
E uma frieza gélida e súbita tomara conta de meu corpo. Eu sabia que em suas palavras havia muitas pretensões e segredos. Mistérios tenebrosos dos quais eu desejava fugir. Era uma armadilha que eu deveria temer. Este era o intuito: fazer-me fraquejar em minhas certezas calmas. Certezas das quais adentrei aquele recinto. Eu deveria alimentar aquele ser com meu temor mortal.

Então, em frações de segundos em que eu racionava e buscava não transparecer medo e sim controle sob tal momento, uma busca desesperada por iluminação, uma pergunta e oferta capciosa ela me fez:
- Porque não prova dos frutos daquela árvore logo à frente? Não vê que está madura? Não seria cortês negar tal oferta ou tem nojo desta condição terrena?
Eu já não via mais ninguém ao meu lado.

Não tendo muito que questionar, com pernas semi-cambaleantes, caminhei sozinho entre as veredas dos túmulos, chão sem mato de onde se muito caminha. Terra fértil de corpos jazidos. Fruto amargo dos não vivos. Chegando, tomei o fruto em minhas mãos e em um surto de lucidez:
- Acho que vou deixar para depois... – mas eu já caíra na armadilha e uma serpente apareceu entre as plantas, pronta para dar o bote.

Esquivei-me o quanto pude. Corri entre os túmulos, arranhando braços e pernas. Pulando sobre corpos mortos, sob sete palmos de chão. Sem rumo, único caminho a seguir: o portão de ferro grande e azul, que acabará de fechar-se diante de mim.

Eu estava encurralado. Paralisado, de medo? Era isto o que eles queriam! E eu olhava a minha volta, meio desmedido, alucinando. Respirei fundo e senti algo viscoso e molhado em minhas mãos. Nem raciocinando rápido, como havia feito me acalmaria: um coração podre borbulhando suas secreções caia de minha mão.

Em desespero: coragem e gritos. Vociferando mentiras, as quais nem creia, enquanto corpos translúcidos se aproximavam silenciosamente, entre túmulos e vultos retorcidos. Era o fim, mas, por algum motivo, mesmo de uma coragem tímida, meus gritos conterão meu medo e o mundo a minha volta acalmo-se. Eu quase caíra para trás com o ranger dos portões se abrindo por trás de mim. O frio portão quase colado ao meu corpo deixava um suspiro seco escapar! Fugi!

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