Delírio
Se era um sonho, ou um delírio, nunca vou
saber.
Deitado em minha cama, os pensamentos
voavam, batiam asas fortes para muito além.
As brumas, o nevoeiro em meu ser e uma
história...
Acordei dentro de um delírio. Era dia, fim
de tarde, não havia mais ninguém aonde eu ia, ou estava. Eu estava caminhando
entre os túmulos e lapides do cemitério de minha cidade natal refletindo sobre
a vida... E a morte!
Não sentia frio ou calor, o tempo parecia
parado enquanto eu caminhava naquele cenário cinza de histórias esquecidas.
Cada túmulo com suas marcas e detalhes. Crucifixos quebrados, o velho cimento
feito como barro se desfez. Pedras carcomidas como esponjas do mar. Pequenas
torres imponentes da morada dos mortos. Algumas aberturas no chão, pedaços de madeira.
Pequenas manchas do tempo, lodo seco, marcas de velhas chuvas. Flores que
exalavam o cheiro peculiar do ambiente supostamente inóspito e sem vida. Mas
aquele era um verde puro que contrastava com a melancolia de suas lapides.
Aquele era o cenário! Uma velha capela decadente ao centro se encontrava.
Entre as lapides meu eu sentiu uma
presença. Virei lentamente a cabeça e vi um rosto alvo de mulher. Era magra e
de cabelos bem pretos, trajava braço e silenciosamente se encontrava ao meu
lado e falou:
- Lhe assusta a morte? – E timidamente
respondi:
- Não há o que temer em uma certeza. – Ela,
como uma voz calma e aterradora continuou.
- Realmente, nada, mas não é assim que
lidam os homens com tais temas...
- Mas somos incomuns. – referia-me eu a sua
natureza assombrosa.
- Sim, mas isso não muda os fatos!
- Mas esta não era a questão...
E uma frieza gélida e súbita tomara conta
de meu corpo. Eu sabia que em suas palavras havia muitas pretensões e segredos.
Mistérios tenebrosos dos quais eu desejava fugir. Era uma armadilha que eu
deveria temer. Este era o intuito: fazer-me fraquejar em minhas certezas
calmas. Certezas das quais adentrei aquele recinto. Eu deveria alimentar aquele
ser com meu temor mortal.
Então, em frações de segundos em que eu
racionava e buscava não transparecer medo e sim controle sob tal momento, uma
busca desesperada por iluminação, uma pergunta e oferta capciosa ela me fez:
- Porque não prova dos frutos daquela
árvore logo à frente? Não vê que está madura? Não seria cortês negar tal oferta
ou tem nojo desta condição terrena?
Eu já não via mais ninguém ao meu lado.
Não tendo muito que questionar, com pernas
semi-cambaleantes, caminhei sozinho entre as veredas dos túmulos, chão sem mato
de onde se muito caminha. Terra fértil de corpos jazidos. Fruto amargo dos não
vivos. Chegando, tomei o fruto em minhas mãos e em um surto de lucidez:
- Acho que vou deixar para depois... – mas
eu já caíra na armadilha e uma serpente apareceu entre as plantas, pronta para
dar o bote.
Esquivei-me o quanto pude. Corri entre os
túmulos, arranhando braços e pernas. Pulando sobre corpos mortos, sob sete
palmos de chão. Sem rumo, único caminho a seguir: o portão de ferro grande e
azul, que acabará de fechar-se diante de mim.
Eu estava encurralado. Paralisado, de medo?
Era isto o que eles queriam! E eu olhava a minha volta, meio desmedido,
alucinando. Respirei fundo e senti algo viscoso e molhado em minhas mãos. Nem
raciocinando rápido, como havia feito me acalmaria: um coração podre
borbulhando suas secreções caia de minha mão.
Em desespero: coragem e gritos. Vociferando
mentiras, as quais nem creia, enquanto corpos translúcidos se aproximavam
silenciosamente, entre túmulos e vultos retorcidos. Era o fim, mas, por algum
motivo, mesmo de uma coragem tímida, meus gritos conterão meu medo e o mundo a
minha volta acalmo-se. Eu quase caíra para trás com o ranger dos portões se
abrindo por trás de mim. O frio portão quase colado ao meu corpo deixava um
suspiro seco escapar! Fugi!